Do quarto, olho para a luz do sol sobre o muro. Sei que horas são sem precisar de relógio. Calculo os atrasos de acordo com a posição da sombra. Quando não há sol, não marco o tempo.
É domingo. O muro diz que já passa das oito. Viro-me na cama para escutar melhor o vento e me dou conta de que preciso varrer a calçada. Chuto o travesseiro enquanto ouço calangos, corruíras, pardais e rolinhas a atravessar os montes fofos de folhas. Cada um marca o tempo à sua maneira, no seu ritmo, de acordo com a sua densidade.
Um beija-flor costumava me visitar diariamente, há meses. Ele cruzava o corredor antes mesmo da luz do sol tocar o muro. Não eram nem seis e meia da manhã e ele já estava ali, anunciando-se como um zangão pelo zumbir de suas asas. Sinto sua falta.
Passo o café. Para acompanhar, alguns poemas. Antes de iniciar os trabalhos do dia, deixo-me levar por incontáveis pensamentos. – O que ainda estou a fazer nesta cidade?
Vejo algo cruzar a garagem de ponta a ponta. Um tiro. O projétil faz uma curva perfeita e para diante de mim. Suspenso. Através da janela sem cortinas, vejo a resposta se materializar num verde cintilante. Mágica. Luminosa. No segundo seguinte, o beija-flor lança-se ao pé de hibisco.
O sol tardio imprime os seus raios na parede da sala.
Sei exatamente que horas são: – Hora da partida.
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