Pedro estava cansado. Foram quarenta e cinco anos de trabalho. Após a morte da mulher, há oito meses, decidiu que não produziria mais. Fechou o ateliê. Nada de amigos, exposições ou imprensa.
Mas hoje o artista acordou diferente.
Levantou-se da cama num pulo, como quem desperta de um pesadelo. Tomou uma ducha, desceu as escadas, bebeu seu café expresso. Dirigiu-se ao galpão onde fica a oficina de escultura. Empurrou a porta de entrada e deu de cara com o bloco de mármore que continua ali, intocado. Aproximou-se dele e rememorou o período insano vivido na Itália. Naqueles tempos mediterrâneos da sua juventude, beijou bocas, levou surras, desviou da morte, apaixonou-se pela arte. Tudo isso durante os anni di piombo, nos anos 1970. Passou os dedos pelos veios da pedra e se perguntou como pôde sentir tanta vida em meio ao terror das bombas e assassinatos daquela década.
Pegou o cinzel esquecido sobre uma das bancadas. Encaixou a ferramenta nas mãos como quem recupera uma parte perdida do corpo. Levantou os olhos e encarou o arsenal de instrumentos e maquinários que acumulara ao longo da vida, mas que agora estavam abandonados, à espera de movimento. Ao vistoriar o espaço, foi surpreendido por uma echarpe vermelha sobre a poltrona verde-oliva, à janela. Sentou-se ali mesmo e chorou diante do vestígio inesperado de Ana. Suas lágrimas se misturavam à poeira do estúdio e se transformavam em soluços, cada um deles para uma falta: do suor, do arfar, do corpo forte do homem que enfrentou, na lida diária, a rusticidade do material que escolheu para amar: rochas. […]
*Este conto continua na página 233 da antologia organizada por Tiago Novaes no âmbito do Curso Introdução à Escrita Criativa, realizado entre os meses fevereiro e junho de 2021, on-line.
NOVAES, Tiago (org). Café da manhã no fim dos tempos [Antologia] São Paulo: Dedalus, 2021.
Para adquirir o livro: https://dedalus.minestore.com.br/produtos/cafe-da-manha-no-fim-dos-tempos


MANOELA
Seu conto está porreta. Muito bem escrito. Gostei.
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